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Retirada do cônjuge como herdeiro necessário: da proposta de alteração do Código Civil

O Código Civil de 2002, quando promulgado, trouxe relevantes mudanças vinculadas ao direito sucessório brasileiro, alterando significativamente regras contidas no outrora vigente texto de 1916.

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Dentre as inovações mais importantes, temos a inclusão do cônjuge no rol de herdeiros necessários, equiparando-lhe aos descendentes e ascendentes e, com isso, garantindo-lhe a participação obrigatória na divisão da herança do falecido.

Tal alteração buscava refletir o contexto histórico-social da época que, mesmo com a já avançada quebra do paradigma familiar tradicional (decorrente do maior espaço às mulheres no mercado de trabalho), ainda carecia de uma proteção financeira ao cônjuge que, frequentemente, não detinha suficiente autonomia patrimonial.


À medida em que, com o passar dos anos, esse mesmo cenário sofria novas alterações, passaram os núcleos familiares também a assumir configurações distintas, tornando-se cada vez mais frequente a recomposição, por meio do divórcio, separação ou falecimento, das figuras a eles pertencentes.

Aliado a isso, o novo quadro vinha acompanhado de legislações específicas e decisões judiciais inovadoras, reconhecendo-se, cada vez mais, a independência financeira e a individualidade patrimonial de cada cônjuge.

Foi um período de significativas alterações no direito de família pátrio, com o surgimento de novos conceitos e princípios norteadores, focados sempre na singularidade das figuras do casal e de suas esferas patrimoniais.

Posição cônjuge unitário no direito sucessório

Nesse novo contexto, o cônjuge unitário deixou de ser, em muitos casos, parte economicamente vulnerável ao outro, o que trouxe à tona, novamente, a necessidade de se repensar sua posição no direito sucessório.


Como resposta a essa nova realidade, a comissão responsável pelo anteprojeto do novo Código Civil apresentou uma relevante proposta de alteração.

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De acordo com o Projeto de Lei nº 4/2025, que visa à atualização do Código Civil brasileiro, o cônjuge retornaria ao statusanteriormente ocupado por ele na legislação do século passado, sendo então, mais uma vez, retirado do rol de herdeiros necessários, atualmente previsto no artigo 1.845.

De forma a justificar a mudança, a comissão fundamentou a proposta de alteração da seguinte forma: “Uma das preocupações, na condução dos trabalhos, foi a de atender a determinadas demandas da sociedade civil, a exemplo da extinção do direito de concorrência sucessória de cônjuges e companheiros com descendentes e ascendentes, especialmente quando submetidos ao regime de separação convencional de bens, alvo de grande rejeição da sociedade em geral.”

Ou seja, o novo-velho enfoque busca invocar a primazia do vínculo consanguíneo em detrimento do vínculo matrimonial, reconhecendo-se que o cônjuge, numa denominada ‘escala de relevância socioafetiva’, ocuparia espaço de desvantagem em relação aos filhos e pais do falecido, especialmente se os nubentes forem optantes de um regime consensual de separação patrimonial.

Não há mudança na regra da meação

Vale destacar, no ponto, que o anteprojeto não altera em nada a regra da meação, ao passo que o cônjuge supérstite continuará a possuir patrimônio decorrente do vínculo conjugal. Ou seja, a divisão dos bens adquiridos na constância do casamento seguirá protegida pela legislação, sem qualquer alteração, caso o projeto seja aprovado com a redação sugerida.

Entretanto, este mesmo cônjuge passaria a figurar exclusivamente como herdeiro legítimo — não mais necessário — na terceira classe de sucessores e sem direito à concorrência com os filhos e pais do falecido. Em outras palavras, ele ainda seria chamado a herdar, mas somente após os descendentes e ascendentes.


Caso a norma seja aprovada, os reflexos no direito sucessório brasileiro poderão ser significativos.

Para os casais com separação de bens, por exemplo, essa mudança tende a gerar um impacto reduzido, uma vez que o patrimônio dos mesmos é tratado de forma independente durante a união, sendo este cenário também refletido no momento do falecimento de um deles.

Porém, em casamentos com adoção do regime de comunhão de bens, a alteração poderá acarretar em menor redistribuição do patrimônio, especialmente se existirem bens particulares não englobados pela meação, sob os quais o cônjuge sobrevivente concorre somente como herdeiro.

Nesse caso, o direito à partilha recairia sobre uma parcela patrimonial inferior, haja vista que o companheiro passará não mais a concorrer com os ascendentes ou descendentes (regra atualmente vigente), podendo representar significativa redução no quinhão hereditário que, hoje, lhe é devido.

Relação entre cônjuges e filhos de casamentos anteriores

Outro ponto a ser considerado é a relação entre cônjuges atuais e filhos de casamentos anteriores. Com a mudança proposta, os descendentes do falecido que optou, ainda em vida, por contrair novo matrimônio, não terão mais a obrigação de dividir a herança com o atual cônjuge sobrevivente.

Em todos os cenários acima narrados, a alteração visa a se adequar à realidade dos novos relacionamentos, representando uma redefinição dos direitos sucessórios em famílias que já há muito convivem com múltiplas relações, sejam elas pessoais e/ou patrimoniais.

Reconhecendo essa mudança, a proposta de retirada do cônjuge da categoria de herdeiro necessário se torna, inegavelmente, uma resposta às transformações sociais decorrentes de tal fenômeno.

Demonstra, ainda, uma tentativa de refletir a evolução das dinâmicas familiares e suas redefinições cada vez mais repentinas, antes mesmo de o tema ser posto em debate legislativo.


Essa necessidade de agir é evidenciada, inclusive, pelo tempo transcorrido entre as alterações de Código Civil, que passaram de aproximadas oito para duas décadas, haja vista que o texto anterior ao vigente remonta ao longínquo ano de 1916.

Modernização das famílias brasileiras

Embora inequívoca a intenção exprimida pelo projeto, ainda remanesce a dúvida se a aprovação da norma representará a equidade e adequação do direito sucessório à modernização das famílias brasileiras, comportando uma mudança que melhor reflita a intenção dos casais ao constituírem de maneira efetiva seus vínculos afetivos e matrimoniais.

Em última análise, a proposta de exclusão do cônjuge do rol de herdeiros necessários reacende um debate que ultrapassa questões puramente normativas, convidando-nos a refletir nossa capacidade de a legislação se moldar às alterações das novas estruturas familiares

A revisão proposta aparenta readequar um modelo que já não corresponde ao perfil patrimonial e afetivo dos casamentos contemporâneos, mas não afasta a incerteza sobre seus possíveis efeitos práticos, especialmente quanto à proteção mínima que nosso ordenamento conferiu aos vínculos conjugais nos últimos 23 anos.

Resta saber se a medida, ao privilegiar a autonomia privada e o protagonismo dos laços consanguíneos, alcançará o equilíbrio entre liberdade na escolha sucessória, aliada à segurança familiar, ou se, ao contrário, revelará divergências não previstas que demandarão, no futuro, uma nova (re)adequação legislativa.

23/12/2025 Fonte: https://www.conjur.com.br/

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